quarta-feira, 26 de maio de 2010

Amélia dos Olhos Doces

Poema magistral de Joaquim Pessoa. Faz parte das minhas memórias na voz de Carlos Mendes.


"Amélia dos Olhos Doces
quem é que te trouxe
grávida de esperança?
Um gosto de flor na boca.
Na pele e na roupa
perfumes de França.

Cabelos cor de viúva.
Cabelos de chuva.
Sapatos de tiras

e pões, quantas vezes
não queres e não amas
os homens que dormem
contigo na cama.

Amélia dos Olhos Doces
quem dera que fosses
apenas mulher.
Amélia dos Olhos Doces
se ao menos tivesses
direito a viver!

Amélia gaivota
amante ou poeta.
Rosa de café.
Amélia gaiata
do Bairro da Lata.
Do Cais do Sodré.

Tens um nome de navio.
Teu corpo é um rio
onde a sede corre.
Olhos Doces. Quem diria
que o amor nascia
onde Amélia morre?

Cabelos cor de viúva.
Cabelos de chuva.
Sapatos de tiras
e pões, quantas vezes
não queres e não amas
os homens que dormem
contigo na cama."

Joaquim Pessoa

sexta-feira, 7 de maio de 2010

As palavras...

Fonte de grande entendimentos, mas também de grandes desentendimentos, as palavras carregam emoções. Seja em que língua for, podem fazer-nos muito bem ou muito mal. Há quem chame sinceridade à capacidade de atirar à cara dos outros tudo o que se pensa - não concordo, isso é correr o risco de se magoar as pessoas por não se pensar.
Eu vejo as palavras como frutos que precisam de amadurecer para serem colhidos. Na minha profissão mais ainda, porque o que eu disser irreflectidamente pode ficar para sempre como boa ou má memória para os meus alunos. Eu lembro-me claramente de algumas frases (umas de forma positiva outras de forma negativa) ditas por professores meus. Mas não só. Lembro-me de momentos em que pessoas que eu amo me disseram coisas que me magoaram e não consigo esquecer.
As palavras são, afinal, uma forma de acarinhar ou de magoar, depois de passarem pelo filtro do coração... e do cérebro. Como dizia Eugénio de Andrade...

As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade


Hoje voltei a sentir como muito verdadeiros estes versos...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Vitória...

Vitória era a minha avó. Se fosse viva, hoje teria feito 84 anos. Partiu há quase 3 anos e parece que ainda foi ontem... Continuo e continuarei sempre a lembrar-me dela com o seu sotaque de "bês" e um sorriso terno no rosto. Era uma mulher de fibra, forte como o seu nome, mas de coração doce, sem rancores, e com uma imensa capacidade de amar. Tenho saudades dela, sinto imensa falta de lhe telefonar - eu a dizer "Olá, bózinha!" e ela a responder "Olá, neta!" (acreditem que ainda consigo ouvir a sua voz...). Já não viveu algumas coisas que teria adorado viver, mas... a vida é assim e nem sempre é justa.
À minha querida avó Vitória deixo... flores, a melhor prenda que lhe podiamos dar...
Onde quer que estejas, avó, parabéns! Sei que estás a sorrir e agradeço-te ainda por me teres ensinado tanta coisa! Afinal, aquilo que sou hoje devo-o muito a ti! Beijo grande e um imenso xi-coração! Espero um dia ter a tua capacidade de amar!

domingo, 2 de maio de 2010

Neste dia da Mãe...

A todas as mães que o são de coração dedico este poema de José Luís Peixoto, com um beijo doce.



Palavras para a Minha Mãe


mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"