quinta-feira, 11 de junho de 2009

Angeja... a aldeia da minha infância


Ao ler no blog da Marta (http://havidaemmarta.blogspot.com/) o texto que ela escreveu sobre Chacim, a aldeia da sua infância, veio-me à memória aquela que foi a aldeia da minha infância - Angeja, concelho de Albergaria-a-Velha, distrito de Aveiro.
Para que se perceba melhor o que essa aldeia significou na minha vida, há que dizer que sou alfacinha de gema. Nasci em Lisboa (onde grande parte dos lisboetas nascem - na maternidade Alfredo da Costa), os meus pais são de Lisboa, os meus avós paternos são de Lisboa e o meu avô materno também. Assim, só a minha avó materna era de Angeja. "Ir à terra" significava ir à terra da minha avó, onde, na minha infância, vivia a minha bisavó (uma mulher de armas que construiu a sua casa aos 60 anos).
A aventura começava em Santa Apolónia, apanhávamos o comboio com destino a Aveiro. Antes do comboio partir (que era uma coisa que me afligia, porque tinha sempre a sensação que ia partir sem entrarmos todos e havia também sempre quem entrasse depois do apito de partida), dizia eu que, antes do comboio partir, ecoavam por Santa Apolónia todas as estações e apeadeiros, anunciadas aos altifalantes. Era uma viagem algo longa, no inter-regional, com compartimentos julgo que para 6 pessoas cada um. Os meus pais ou os meus avós (conforme com quem iamos) levavam lanche para a viagem. E lá íamos, cruzando-nos com muitas pessoas diferentes, que saiam e entravam à medida que o comboio parava nas estações ou apeadeiros previamente anunciados. Às vezes, havia atrasos e demorávamos mais tempo, mas lá chegávamos a Aveiro (mais uma vez a minha aflição de que não tivéssemos tempo de sair todos antes do comboio seguir viagem). Em Aveiro, apanhávamos a camioneta para Angeja e saíamos na praça central da aldeia. Depois, o caminho fazia-se a pé, até ao fundo da Rua da Agra, onde encontrávamos o portão verde da casa da minha avó Joaninha (a minha bisavó Joana).
Eu gostava de lá chegar, de dar um beijinho à minha bisavó, que entretanto tinha matado um "pito" para fazer uma canjinha. Era uma casa simples, mas acolhedora, com um "aido" sempre com flores bonitas, um limoeiro e uma horta. Havia naquela casa apenas duas coisas de que eu não gostava - a casa de banho era apenas uma espécie de sanita improvisada, tendo por baixo palha e os dejectos eram aproveitados para estrume, e tomava-se banho (no Verão) na água gelada do poço que havia no "aido".
Angeja tinha cheiros característicos, o do rio Vouga (já poluído na altura) e que ainda hoje se mantém e o do estrume (hoje quase desaparecido), já que os carros de bois eram presença constante nas ruas, muito mais do que os tractores. Uma coisa que me divertia era o facto de achar que toda a gente daquela terra era da minha família, já que muitos me eram apresentados como primos.
Tenho muitas memórias de Angeja, uma aldeia do litoral, não muito longe da cidade, que acabou por ficar com o IP5 mesmo à porta e hoje tem a A25. Um post não chegaria para relatá-las todas, mas invoco apenas algumas: eu e o meu irmão a cavarmos a horta da avó Joaninha; o dia em que levei, com um amigo, cabras a pastar e a cabra que eu levava quase me fez cair, porque corria mais que eu e eu ia de socas; o meu irmão a descer a "vela" (=viela) numa bicicleta maior do que ele, sem que ele chegasse aos pedais, mas feliz da vida, a grande velocidade (tendo em conta o tamanho dele) e eu com o coração nas mãos; os meus amigos, filhos de vizinhos da minha bisavó, com quem brincavamos e cujo sotaque (trocar os "vês" pelos "bês" - a "baca") eu tratava de imitar pouco tempo depois de lá estar; a ponte de madeira que atravessava o rio e de onde se viam as bateiras; a casa da prima Maria Idália, que nos recebia sempre com um sorriso luminoso, no seu mini-jardim sempre florido, e onde eu gostava de ir ver as telenovelas, porque a minha bisavó não tinha televisão... e tantas tantas outras. Muitos anos depois, quando a minha bisavó faleceu, a casa foi vendida.
Voltei lá há pouco tempo (é lá que a minha bisavó está sepultada e foi para lá, para junto da sua mãe, que a minha avó foi, quando partiu, em 2007) e Angeja está diferente. Há mais carros, mais tractores, algumas das pessoas da minha infância já partiram, algumas lojas mudaram de donos e de actividade, as casas da rua principal estão velhas, mas a zona do rio está mais bonita.
Hoje, Angeja já não é a aldeia de outros tempos, mas é e será sempre a aldeia da minha infância, Angeja é "a terra", é um conjunto de memórias felizes que fazem parte de mim.

5 comentários:

Eduardo Trindade disse...

Maggie,
Tão docemente lírica tua aldeia, poesia em forma de crônica!... Ah, histórias assim me fazem entrar um pouquinho na imaginação de quem conta, e me fazem também reviver minhas próprias recordações: tanto as da minha infância quanto as mais recentes, quando estive cruzando de comboio este teu país...
Abraços!

Marta disse...

Querida Maggie,

Gostei tanto de te ler! De saber de ti, pela tua aldeia!

Tenho pena que não tenhas dado conta da blogagem colectiva a tempo de participar com este teu texto!
Mas é tão BOM que o tenhas escrito para nós :)

beijinho, doce...como a tua narrativa!

Susana Falhas disse...

Olá Maggie!

Vim parar ao seu blogue por indicação de uma amiga comum , a Marta, que me alertou para ao facto de ter postado, e muito bem sobre a aldeia da sua vida!

Não sei se eventualmente tomou conhecimento da Blogagem da Aldeia da minha vida, que está a decorrer até dia 30 deste mês, num dos blogues que dinamizo.

Seja qual for a resposta, uma vez que não chegou a tempo de participar para concorrer ao prémio , se não encontrar inconvenientes,vou colocar um link do seu texto para dar a oportunidade de dar a conhecer a sua aldeia a todos os participantes e leitores do meu blogue.

Convido-a desde já a espreitar e , numa próxima oportunidade, (está bem para breve) a participar na nossa blogagem.

Até lá, um grande abraço, e mais uma vez parabéns pelo seu texto!

Susana Falhas

Susana Falhas disse...

Obrigada , Maggie pela sua participação e comentário! Em relação ao 100% beirã...ups, desculpa a confusão...

Bjs Susana

luciana disse...

Como sabes, regressei às origens, estou na minha aldeia, por isso este texto tem um sabor especial. Consegui "ver" a tua aflição com o comboio, as brincadeiras tresloucadas de crianças em liberdade(quase que suspeitei de joelhos esfolados), as parcas condições das casa, as impressões sem igual das pessoas, a familiaridade... Maravilhosas recordações do mundo rural.
Tenho a sorte (com desvantagens, é certo) de ainda conviver com esse mundo em estado quase virgem e simples.